terça-feira, 22 de dezembro de 2015

O papel da família

SENTIMENTOS E EMOÇÕES

Os portadores de esquizofrenia, pelas características da própria doença, passam a maior parte de seu tempo com suas famílias, principalmente seus pais e irmãos. As pessoas diretamente ligadas a eles também sofrem com os desgastes provocados pelo transtorno.
A esquizofrenia pode interferir nas relações familiares, provocar sentimentos negativos, como raiva, medo e angústia, pela sensação de impotência que os sintomas trazem. Como reagir frente a um delírio ou uma alucinação, que comportamento deve se ter diante de alguém desmotivado, que se isola ou que reluta em fazer alguma atividade? Como aceitar os percalços que a doença traz sem descontar no paciente, sua principal vítima, as nossas próprias frustrações?
O impacto emocional que o adoecimento traz aos familiares é muitas vezes tão intenso quanto àquele que atinge o paciente. Algumas reações comuns entre os familiares, particularmente no início da doença, quando tomam conhecimento do diagnóstico, são:
→ Negação ou subestimação: sentimento de incredulidade ou de irrealidade, como se aquilo não estivesse acontecendo ou como se fosse um pesadelo do qual se poderia acordar a qualquer momento. O familiar pode criar fantasias acerca da doença, duvidar ou questionar seus sintomas, acreditar numa cura miraculosa ou achar que o problema é menor e não deve gerar preocupações.
→ Sentimento de culpa: procurar responsabilizar alguém ou a si próprio, buscar um culpado para a doença.
→ Sentimento de revolta: agir com raiva diante do paciente ou de outro familiar, por não aceitar a doença.
→ Superproteção: acreditar que a doença vai deixar o paciente incapacitado e dependente, desenvolvendo formas de controle e cerceamento que irão tolir a liberdade e limitar a autonomia da pessoa.
O familiar precisa de tempo e de informação para mudar seus sentimentos, refletir sobre suas convicções e perder os preconceitos. Aprender a lidar com os sintomas vem a partir da vivência cotidiana, que precisa de reflexão e reavaliação constantes. Nossas atitudes podem ser determinantes para o futuro da pessoa que sofre de esquizofrenia. Atitudes positivas contribuirão para uma melhor recuperação, um futuro mais promissor, com menores índices de recaída, maiores possibilidades para se trabalhar a autonomia e melhorar a qualidade de vida e dos relacionamentos. Atitudes negativas desgastam as relações, impossibilitam a recuperação plena e estão associadas a um maior número de recaídas e a uma evolução mais grave da esquizofrenia.
Emoção expressada (E.E.) é o termo dado por pesquisadores ao conjunto de atitudes, sentimentos e reações de familiares que refletem emoções desajustadas relacionadas à doença e ao familiar adoecido. Quando se diz que uma família tem altos níveis de E.E., significa que os relacionamentos estão em conflito, aumentando a sobrecarga e o estresse. A capacidade de solucionar os principais problemas trazidos pela doença e sua convivência fica muito prejudicada. Por esse motivo, altos índices de E.E. são um dos fatores que mais se relacionam às recaídas e a um pior prognóstico.
Os familiares e pessoas próximas precisam dedicar um tempo ao conhecimento dos aspectos da doença, como forma de compreender melhor seu familiar e amigo, refletir sobre suas atitudes, mudar padrões errados de comportamento e reduzir o grau de estresse, buscando solucionar da melhor forma os conflitos do dia-a-dia. Essa nova maneira de encarar a esquizofrenia vai se reverter em benefícios para si, aliviando o sofrimento e o impacto causados pelo adoecimento e, sobretudo, melhorando a convivência e o ambiente familiar.



PADRÕES EMOCIONAIS

Os sentimentos provenientes da convivência do familiar com o paciente podem se cristalizar com o tempo, ditando atitudes e comportamentos que se repetirão no dia-a-dia. Muitos não percebem que estão agindo de maneira errada, pois o padrão de relacionamento estabelecido está tão enraizado, que permeia, de forma automática, grande parte do contato entre eles. O familiar passa a ter dificuldade de agir de forma diferente, na maioria das vezes culpando o paciente por isso, quando, na verdade, ele próprio não vem conseguindo mudar o seu comportamento sozinho. Isso leva a um ciclo vicioso, onde não se sabe mais onde está a causa e a conseqüência.
Os principais padrões emocionais encontrados em familiares de esquizofrênicos são detalhados a seguir. Um mesmo familiar pode apresentar mais de um padrão.
→ Hipercrítica – atitude crítica em relação ao paciente, cobrando atividades, tarefas e resultados com um nível elevado (e, muitas vezes, incompatível) de exigência, resultando quase sempre em seu fracasso. O familiar pode se tornar demasiadamente crítico também em relação aos sintomas e comportamentos provenientes da doença e que o paciente tem dificuldade de controlar. Esta atitude resulta comumente num padrão mais hostil de relacionamento.
→ Hostilidade – atitude hostil e de briga, com discussões e desavenças freqüentes, que pode evoluir, em alguns casos, para agressividade verbal e física de ambas as partes.
→ Permissividade – atitude permissiva, descompromissada ou indiferente, que, em geral, revela a pouca disponibilidade do familiar de se envolver com o paciente, não se importando com coisas boas ou negativas relacionadas a ele.
→ Superproteção – atitude superprotetora, preocupação demasiada, tendência a tomar a frente do paciente nas decisões e atividades que lhe cabem, restringindo sua liberdade e autonomia. Pode ocorrer controle excessivo, gerando discussões e desentendimentos entre o controlador e o paciente, evoluindo para um clima hostil.
→ Superenvolvimento afetivo – alguns familiares anulam-se, deixam de reservar um tempo para si, para atividades sociais e de lazer, passando a cuidar exclusivamente do paciente. Podem desenvolver quadros afetivos que variam da estafa à ansiedade e depressão. Sacrificam muito o seu lado pessoal e deixam transparecer sua frustração e cansaço, passando a impressão de que o paciente é um estorvo ou culpado por seu sofrimento. Muitos precisam também de um tratamento médico e de um acompanhamento psicoterápico.
É importante que o familiar identifique se alguns dos padrões característicos estão ocorrendo e reflita sobre suas atitudes e sentimentos. Uma recomendação geral é que cada um possa dedicar parte de seu tempo às atividades que proporcione prazer, uma válvula de escape para o estresse. Ter um período sozinho, para se cuidar, fazer atividades físicas, ter uma leitura agradável ou para relaxar e refletir sobre si mesmo. Buscar atividades sociais e de lazer que incluam o paciente também ajuda a aliviar as tensões e a reaproximar as pessoas. Conversar, trocar idéias e experiências, buscar soluções em conjunto e dividir melhor a sobrecarga, buscando a união de todos para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia.

TERAPIA E PSICOEDUCAÇÃO

A terapia de família na esquizofrenia é um dos tratamentos complementares de maior eficácia, com repercussão direta no estado clínico do paciente. Existem vários trabalhos científicos que comprovam seus efeitos na adesão ao tratamento médico, na redução de recaídas e de hospitalizações, na melhoria da qualidade de vida e autonomia do paciente. Para os familiares, a terapia pode ajudá-los a reduzir o estresse, a trabalhar melhor seus sentimentos e angústias, superando a sensação de culpa e/ou fracasso, a identificar preconceitos e atitudes errôneas e os auxilia na busca de soluções para os problemas cotidianos.
O modelo de terapia que mais tem se mostrado eficaz na esquizofrenia é o da psicoeducação de família, que acrescenta à terapia informações sobre a doença. Oferecer conhecimento teórico é imprescindível para ajudar o familiar a compreender melhor seu paciente, reavaliando julgamentos e atitudes. Esta importante etapa educativa o prepara para a etapa seguinte, a terapia propriamente.
A terapia pode ser individual (com um ou mais membros de uma mesma família) ou em grupo (várias famílias). Ela analisa as situações práticas do dia-a-dia e como cada um lida com os conflitos e soluciona os problemas, propondo uma reflexão. Ela pode recorrer a qualquer momento à etapa educativa para corrigir equívocos que porventura persistirem. Essa reflexão é essencial para que o familiar esteja mais receptivo a novas maneiras de lidar com o estresse e adquira maior habilidade no manejo e na solução das situações, reduzindo assim a sobrecarga e melhorando a qualidade do relacionamento familiar.

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