sexta-feira, 30 de outubro de 2015

As marcas da esquizofrenia



Conviver com um doente com esquizofrenia não é tarefa fácil. Envolve perigos e medos psicológicos e até físicos. Alexandra Mota, irmã de um doente com esquizofrenia, revela situações verdadeiramente traumatizantes. "Quem vive com um esquizofrênico fica com marcas profundas para o resto da vida". Marcas que, segundo Alexandra, se escondem por detrás de muitas portas.


Qual o perfil de um esquizofrênico?
Um médico psiquiatra será, talvez, a pessoa mais aconselhada para traçar um perfil clínico. No entanto, da vivência que tenho, poderia dizer que um esquizofrênico é alguém que perde a capacidade de pensar de uma forma lógica e, consequentemente, de comunicar e de se relacionar, passando a viver num mundo paralelo e sem as normas pelas quais se regem as pessoas ditas normais. Entramos no mundo da loucura. Imaginemos uma corrente composta por vários elos interligados. Esta seria a metáfora para o pensamento lógico. Num esquizofrênico, os elos da corrente soltam-se e as ideias surgem sem uma sequência causal, condicionando o comportamento e os sentimentos.Aquilo que é realidade hoje poderá deixar de ser amanhã. Objetos, palavras, números, cores... ganham significados totalmente inesperados: "Os barcos que atracam no Tejo estão a espiar-me"; "o gravador tinha escutas"; "a comida tem veneno"...Mudanças súbitas de humor, desconfiança extrema, provocação, confusão, isolamento, incompreensão... a intercalar, alguns momentos de lucidez, arrependimento, choro, desamparo total... procura desesperada de um carinho...Ainda assim, os medicamentos existentes permitem criar uma ligação artificial entre estes elos da corrente, razão pela qual um doente que aceda a fazer um tratamento efetivo e continuado poderá alterar estas características e voltar a aproximar-se do 'mundo real', tal como o conhecemos.

Há episódios que tenham ocorrido consigo (e o seu irmão) que tenham envolvido algum perigo, violência...?
Sim, comigo e com os restantes membros da família. O internamento hospitalar que levou ao início do tratamento do meu irmão foi feito sob escolta policial, depois de uma agressão a mim e aos meus pais.Mas não foi esta a primeira situação de violência: ameaças de violação feitas diretamente a mim; a minha mãe foi queimada com o ferro de engomar; a minha avó, já com 80 anos, empurrada para o chão; uma faca apontada ao pai; as portas e armários partidos a murro, vários equipamentos eléctricos (aparelhagem, etc.) partidos... provocações constantes a vizinhos e amigos da família... ameaças...

Que riscos há em viver com um doente destes (para os familiares e amigos)?
Quando o doente se encontra descompensado, sem medicação, existem verdadeiros riscos físicos (de vida) e psicológicos, essencialmente, para os familiares, já que a amizade raramente resiste a uma situação de esquizofrenia grave.E se os riscos físicos são visivelmente os mais graves, os psicológicos são tremendos. O medo permanente, a sensação de impotência de não conseguir travar a doença de um filho ou de um irmão, o trauma emocional de chegar a odiar alguém que se ama... e ninguém, nenhuma instituição, a que se possa recorrer...Eu diria mesmo que quem vive com um esquizofrênico fica com marcas profundas para o resto da vida. A sensação de medo volta a cada estrondo... mesmo depois de anos. A preocupação, o nervosismo...E os riscos existem também para o próprio esquizofrênico que tende a autoflagelar-se, embora isto nunca tenha chegado a suceder com o meu irmão.

Que alternativas têm os familiares que não queiram/possam viver com estes doentes? Onde os podem colocar? Qual o dispêndio aproximadamente?
Existem muito poucas alternativas, especialmente se o doente não quiser ser tratado/internado. Apesar de um esquizofrênico ser considerado inimputável perante a lei, no caso de cometer um crime, é considerado responsável para decidir se quer ser internado. (Eu diria que o próprio sistema de saúde sofre de uma dose considerável de esquizofrenia.)Desde que este seja adulto, mesmo depois de diagnosticada a esquizofrenia, o doente continua a ser responsável por ele próprio perante as entidades de saúde. Uma realidade inacreditável para quem deveria saber melhor do que ninguém que quase nenhum esquizofrênico reconhece a sua doença.A opinião dos médicos, daqueles com quem falei, é a de que retirar o doente da família é cortar os últimos laços com a realidade. Compreendo perfeitamente essa perspectiva e concordo, desde que não seja generalizada a todos os casos e não seja aplicada em situações limite.No dia em que o meu irmão foi hospitalizado no Júlio de Matos seria talvez a terceira ou quarta vez que ali era levado pela polícia, depois de agressões à família. Mesmo assim, o médico deu-lhe alta e mandou-o regressar a casa.Segundo o médico, o meu irmão já estava bem e não voltaria a agredir ou a pôr em risco as vidas dos familiares. No entanto, quando lhe 'sugerimos' que escrevesse e assinasse uma declaração onde afirmaria isto mesmo e onde se responsabilizaria pelo que sucedesse no futuro, o seu discurso alterou-se radicalmente e só assim ficou internado. Um internamento de cerca de dois meses.Há várias instituições que recebem os doentes que acedem em tratar-se (desconheço preços, porque na altura a minha família não tinha possibilidades de pagar). Penso até que existem instituições não governamentais e sem fins lucrativos que apoiam alguns destes casos, mais como um apoio de tempos livres, do que propriamente como um local de tratamento.

Quando é que ao seu irmão lhe foi diagnosticada a doença? Qual foi a evolução da doença? Quais são os seus comportamentos no cotidiano?
A doença manifestou-se aos 21 anos e, inicialmente, pensamos tratar-se de uma depressão nervosa. Terá sido diagnosticada talvez dois anos depois. Até então, era uma pessoa reservada e algo nervosa mas perfeitamente normal, muito responsável com o seu emprego, com os seus amigos...Durante cerca de dez anos recusou o tratamento e só depois do internamento hospitalar acedeu continuar a medicação e o acompanhamento médico.Hoje, tem 36 anos, está em casa praticamente todo o dia. Não trabalha, não tem amigos, não se relaciona com praticamente ninguém a não a ser com a família, mas consegue ter conversas coerentes, gestos meigos e carinhosos, preocupações com os pais e irmãos, brincadeiras com o sobrinho.Continua a ir, uma vez por mês, ao hospital Júlio de Matos, onde toma uma injeção. A restante medicação é tomada por ele próprio, por sua iniciativa, e tem sido reduzida gradualmente, tornando-se praticamente imperceptível (não está drogado ou adormecido por comprimidos).Continuamos a tentar que crie e reforce novos laços e volte a socializar-se...

Porque é que muitos doentes se recusam a ser medicados e porque é que apresentam uma força física enorme quando se vêem contrariados?
A recusa dos medicamentos é própria de quem acha que não está doente e que todos os que o rodeiam só querem destruí-lo. Aquilo a que chamamos 'mania da perseguição' é uma das características da doença e por isso o doente acha que é o mundo inteiro quem lhe quer fazer mal, sejam os médicos ou os familiares.A força física é algo que não consigo explicar porque nunca consegui perceber. Talvez a canalização de toda a energia (e nós não somos senão energia) num único ato, num mesmo momento...Gostaria de acrescentar que, só no local onde vivo, um bairro como tantos outros, na cidade de Lisboa, conheço cerca de seis casos de esquizofrenia, a maioria em jovens, mas não só. Todos eles e as suas famílias viveram (alguns continuam a viver) situações dramáticas que duram décadas e décadas.Há um caso de um doente, que deve ter hoje mais de 40 anos, que está fechado num quarto há cerca de 20 anos. Ninguém, nem a própria mãe, se pode aproximar dele. Não se lava, não se veste... A comida é colocada à porta...E estamos a falar de um ser humano que vive num país que se diz desenvolvido e globalizado, mas que ignora totalmente o que se passa atrás de cada porta, especialmente quando o problema se relaciona com a saúde mental.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Palestra: Música é remédio, música é sanidade



Segue um link com uma palestra do violinista da Filarmônica de Los Angeles Robert Gupta, que conta o que aprendeu ao ensinar um esquizofrênico a tocar violino.

Entre e ponha as legendas em português: https://www.ted.com/talks/robert_gupta#t-67880

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Diferentes tipos de esquizofrenia

Podemos dizer que são todos diferentes, pois existem 6 tipos diferentes de esquizofrenia.


Esquizofrenia residual:
Refere-se a uma esquizofrenia que já tem muitos anos e com muitas consequências. Neste tipo de esquizofrenia podem predominar sintomas como o isolamento social, o comportamento excêntrico, emoções pouco apropriadas e pensamentos ilógicos.

Esquizofrenia simples:
Normalmente, começa na adolescência com emoções irregulares ou pouco apropriadas, pode ser seguida de um demorado isolamento social, perda de amigos, poucas relações reais com a família e mudança de personalidade, passando de sociável a anti-social e terminando em depressão. É também pouco frequente.

Esquizofrenia Indiferenciada:
Apesar desta classificação, é importante destacar que os doentes esquizofrênicos nem sempre se encaixam perfeitamente numa certa categoria. Também existem doentes que não se podem classificar em nenhum dos grupos mencionados. A estes doentes pode-se atribuir o diagnóstico de esquizofrenia indiferenciada.

Esquizofrenia Paranoide:
Predominam sintomas positivos como alucinações e enganos, com uma relativa preservação o funcionamento cognitivo e do afetivo, o inicio tende ser mais tardio que o dos outros tipos. É o tipo mais comum e de tratamento com melhor prognóstico, particularmente com relação ao funcionamento ocupacional e à capacidade para a vida independente.

Esquizofrenia Catatônica:
Sintomas motores característicos são proeminentes, sendo os principais a atividade motora excessiva, extremo negativismo (manutenção de uma postura rígida contra tentativas de mobilização, ou resistência a toda e qualquer instrução), mutismo, cataplexia (paralisia corporal momentânea), ecolalia (repetição patológica, tipo papagaio e aparentemente sem sentido de uma palavra ou frase que outra pessoa acabou de falar) e ecopraxia (imitação repetitiva dos movimentos de outra pessoa). Necessita cuidadosa observação, pois existem riscos potenciais de desnutrição, exaustão, hiperpirexia ou ferimentos auto-infligidos. O tratamento, portanto, é bem difícil.

Esquizofrenia Desorganizada:
Discurso desorganizado e sintomas negativos como comportamento desorganizado e achatamento emocional predominam neste tipo de esquizofrenia. Os aspectos associados incluem trejeitos faciais, maneirismos e outras estranhezas do comportamento. É o tipo que tem tratamento mais complicado.
Também e de referir um outro tipo que é esquizofrenia infantil, um tipo raro de esquizofrenia (0,5% dos casos), não incluído no DSM. Ocorre bem cedo na vida do indivíduo (os primeiros problemas surgem entre os 6 e 7 anos de idade). É bastante severa, tendo sintomas e disfunções mais intensas, além de um tratamento mais difícil. Ainda não foi perfeitamente explicado o mecanismo que determina a esquizofrenia infantil. Factores ambientais não exercem qualquer influência sobre o aparecimento da doença, o que leva a acreditar que a base dela é puramente genética. Características psicológicas incluem falta de interesse, ecopraxia, ecolalia , baixo QI e outras anormalidades.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Estudo elimina sintomas da esquizofrenia a partir da manipulação de genes

Segundo os autores, o resultado abre uma nova frente para lidar com o problema, cujas causas ainda não foram esclarecidas
Descrita pela primeira vez há mais de 100 anos, a esquizofrenia ainda é um mal sem remédio. Apesar de psicotrópicos conseguirem controlar as diversas manifestações desta que não é uma doença, mas uma síndrome, não existe um tratamento específico para o problema, que provoca alucinações, depressão, confusão mental e deficit de memória, entre outros quadros. Além disso, a quantidade e a dosagem dos medicamentos costumam provocar efeitos colaterais graves, o que leva muitos pacientes a deixar de tomá-los, desencadeando sérias crises. Outro problema é que, embora manejem os sintomas, as drogas disponíveis não atuam diretamente nas causas do distúrbio — que são múltiplas, incluindo a genética, segundo estudos recentes.

Há, contudo, uma esperança para os portadores da esquizofrenia, estimados em 1% da população mundial. Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram bloquear o mecanismo biológico de um forte candidato a provocar a forma genética do mal. Teoricamente, isso significa a cura para um subgrupo de pacientes, obtida a partir da terapia gênica, uma das mais promissoras para quase 2 mil doenças causadas por alterações no DNA. A pesquisa foi realizada em ratos, mas os cientistas da Universidade Georgia Regents, nos Estados Unidos, estão animados. “O estudo prova que a esquizofrenia pode ser reversível”, afirma Lin Mei, principal autor do artigo, publicado na revista Neuron.
 
Em 2007, o cientista mostrou que níveis de uma proteína específica produzida pelo gene NRG1 tinha associação direta com o desenvolvimento do cérebro. Passados dois anos, a equipe descobriu que um problema nesse gene desencadeava sintomas da esquizofrenia em animais manipulados geneticamente. Recebido no cérebro pelo receptor ErbB4, o gene NRG1 produz a proteína neuregulina-1, substância cujos níveis alterados foi associado à esquizofrenia. 

O defeito no gene tem como consequência um aumento na quantidade circulante da proteína, algo que acaba provocando diversas disfunções nos neurotransmissores, as substâncias químicas que fazem a comunicação entre os neurônios. Agora, Mei foi além, estudando se era possível consertar o que havia de errado, obtendo sucesso no experimento. Novamente, ele usou roedores, mas, como o NRG1 está presente em humanos, há a possibilidade de o mesmo acontecer com indivíduos que sofrem do distúrbio.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Esquizofrenia: uma revisão (artigo científico)


O seguinte link é de um artigo científico feito por Regina Cláudia Barbosa da Silva, da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Resumo:

A definição atual de esquizofrenia indica uma psicose crônica idiopática, aparentando ser um conjunto de diferentes doenças com sintomas que se assemelham e se sobrepõem. A esquizofrenia é de origem multifatorial onde os fatores genéticos e ambientais parecem estar associados a um aumento no risco de desenvolver a doença. Esse artigo tem como objetivo fazer uma revisão de alguns aspectos englobando: história, sintomatologia, tratamentos e modelos experimentais da esquizofrenia.

Link: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65642006000400014

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

As Maravilhas de uma Enfermidade Mental (curtametragem animado)

Segue um belíssimo e premiado curtametragem do diretor Evan Viera que retrata a forma como uma menina com enfermidade mental vê o mundo. Muito legal.


quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Estudo britânico pode aprimorar diagnóstico da esquizofrenia

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Pesquisadores britânicos fizeram uma descoberta que pode aprimorar o diagnóstico de esquizofrenia e levar a uma maior compreensão sobre a origem da doença no cérebro.
Cientistas do Imperial College London e do King’s College London avaliaram o cérebro de 56 pessoas com exame de tomografia por emissão de pósitrons (PET). Do total de voluntários, 14 tinham sido diagnosticados com esquizofrenia, 14 tinham alto risco para esquizofrenia e o restante era saudável.
O que eles constataram foi que, no cérebro de pacientes com esquizofrenia, existe uma atividade mais intensa de uma célula do sistema imunológico chamada micróglia. Esta célula responde a danos e infecções no cérebro.
A descoberta, publicada nesta sexta-feira (16) no “American Journal of Psychiatry”, sugere que a inflamação pode levar à esquizofrenia e a outros transtornos psiquiátricos.
“Este estudo corrobora um crescente conjunto de pesquisas que mostram que inflamação no cérebro pode ser um dos fatores que contribuem para uma ampla gama de transtornos – incluindo Alzheimer, esquizofrenia e depressão – e com este novo conhecimento, vem a esperança de tratamentos que possam mudar a vida de pacientes”, diz o professor Hugh Perry, do Conselho de Pesquisa Médica do Imperial College London.
Os resultados podem levar a formas de diagnóstico mais precoce e também contribuir para a descoberta de novas estratégias de tratamento, tanto para a esquizofrenia quanto para outros transtornos. (Fonte: Globo.com)
Entenda melhor o que é Micróglia
As células da glia, geralmente chamadas neuróglia, nevróglia, gliócitos ou simplesmente glia (em grego, γλία : “cola”), são células não neuronais do sistema nervoso central que proporcionam suporte e nutrição aos neurônios.
Geralmente arredondadas, no cérebro humano as células da glia são, aproximadamente, 10 vezes mais frequentes que os neurônios no corpo humano. Ao contrário do neurônio, que é amitótico, nas células gliais ocorre a mitose.
Por décadas, neurocientistas acreditaram que os neurônios eram os responsáveis por toda a comunicação no cérebro e sistema nervoso, e que as células gliais, embora nove vezes mais numerosas que os neurônios, apenas os alimentavam. Novas técnicas de imagem e instrumentos de “escuta” mostram que as células gliais se comunicam com os neurônios e umas com as outras. As células gliais são capazes de modificar esses sinais nas fendas sinápticas entre os neurônios e podem até mesmo influenciar o local da formação das sinapses. Devido a essa proeza, as células gliais podem ser essenciais para o aprendizado e para a construção de lembranças, além de importantes na recuperação de lesões neurológicas. Experiências para provar isso estão em andamento.
Micróglia
Micróglia consiste em macrófagos especializados, capazes de fagocitar, que protegem os neurônios. São as menores de todas as células gliais e correspondem a 15% de todas células do tecido nervoso.
Da micróglia fazem parte as células ependimárias.
Macróglia
Os tipos de células da macróglia são astrócitos, oligodendrócitos e células de Schwann, ambos formados a partir de glioblastos, que são células embrionais de derivação neuroepitelial. Por volta da quinta semana de vida fetal, ocorre o fechamento do tubo neural e a formação do sulco neural, a partir do qual se forma a primitiva medula espinhal, constituída de epitélio pseudoestratificado (estrato neuroepitelial). Ali, as células se multiplicam e se diferenciam em neuroblastos (precursores dos neurônios) e glioblastos. Quando cessa a produção de neuroblastos, os glioblastos migram pela camada de substância cinzenta (camada interna da medula espinhal), dando origem aos astrócitos, e pela camada de substância branca (camada externa), onde se diferenciam em oligodendrócitos.
Funções
As principais funções das células da glia são cercar os neurônios e mantê-los no seu lugar, fornecer nutrientes e oxigênio para os neurônios, isolar um neurônio do outro, destruir patógenos e remover neurônios mortos. Mantêm a homeostase, formam mielina e participam na transmissão de sinais no sistema nervoso.
As células de glia têm a importante função de produzir moléculas que modificam o crescimento de dendritos e axônios. Descobertas recentes no hipocampo e cerebelo indicam que também participam ativamente nas transmissões sinápticas, regulando a liberação de neurotransmissores ou liberando-os, elas mesmas, e liberando ATP que modela funções pré-sinápticas.
São cruciais na reparação de neurônios que sofreram danos: no sistema nervoso central, a glia impede a reparação (os astrócitos alargam e proliferam, de modo a produzirem mielina e moléculas que inibem o crescimento de um axônio lesado); no sistema nervoso periférico , as células de Schwann promovem a reparação. (Fonte: Wikipedia)

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Palestra da Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes, especialista em cuidados paliativos

Em homenagem ao Dia do Médico (18 de outubro), postamos aqui o vídeo da palestra da Dra. Ana Cláudia Quintana Arantes. Este profissional é tão importante em nossas vidas, e ela nos mostra, através de um emocionante relato, a importância do paciente e não somente da doença. Agradecemos a todos os profissionais da Medicina e suas especialidades.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

O estigma da esquizofrenia na mídia (artigo)

    

          Apresentamos aqui o link para o artigo "O estigma da esquizofrenia na mídia: um levantamento de notícias publicadas em veículos brasileiros de grande circulação", publicado por Francisco Bevilacqua Guarniero, Ruth Helena Bellinghini e Wagner Farid Gattaz, do Departamento e Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É avaliada a presença da esquizofrenia nos meios de informação no Brasil, a qualidade com que o assunto é tratado e se uma solução eficiente é divulgada nas notícias.

O link é o seguinte: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832012000300002

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Apenas 1 em cada 4 esquizofrênicos recebe tratamento, diz pesquisa

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O casamento ia bem. As duas filhas cresciam saudáveis. No trabalho, as coisas estavam prosperando. Até que no final de 1995, sem motivo aparente, o marceneiro V., 51 anos, começou a ouvir vozes que o mandavam mudar-se para debaixo de uma árvore. A família demorou para convencê-lo de que ele tinha casa, esposa e filhas para cuidar. Até que depois de horas de muita conversa, ele aceitou sair debaixo da árvore e buscar ajuda médica.
Na clínica psiquiátrica, aos 31 anos, V recebeu o diagnóstico. Ele é um dos 1,6 milhão de brasileiros diagnosticados com esquizofrenia, um transtorno mental potencialmente grave que decorre das alterações do funcionamento do cérebro e que provoca, entre outros sintomas, a mudança da percepção da realidade. Este número é de uma pesquisa da Deloitte Access Economics, divulgada em 2013. Desses 1,6 milhão de brasileiros diagnosticados, 412.545 fazem tratamento (cerca de 25%).
Segundo uma pesquisa divulgada nesta sexta-feira (9), realizada pelo Ibope a pedido da farmacêutica Janssen, apenas metade da população que tem esquizofrenia é diagnosticada. Foram entrevistadas 2002 pessoas na pesquisa. Destas, 68% concordam que a maioria das pessoas não deixaria uma criança aos cuidados de um indivíduo que tivesse o transtorno. Além disso, 20% da população brasileira desconhece a esquizofrenia e dos 80% que a conhecem, metade acredita que a doença incapacita uma vida normal.
Foi o que aconteceu com a família do marceneiro. Os parentes, desinformados, achavam que ele nunca mais ficaria bem para cuidar da família e ainda tinham medo de que ele fizesse mal às filhas. Mas a situação foi totalmente controlada alguns dias depois, quando ele deu início ao tratamento com medicamentos e as alucinações, os delírios e os medos – principais sintomas da doença — foram ficando para trás. “Todos reconheceram que basta seguir o tratamento para que as crises nunca mais apareçam”, disse a esposa, que também não quis se identificar.
Para o psiquiatra e professor de medicina na Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo) Rodrigo Bressan, faltam esclarecimentos e informações adequadas sobre a doença e grande parte da população ainda a enxerga como um tabu. “A esquizofrenia é um diagnóstico, não uma sentença. O tratamento adequado e contínuo ainda é a melhor forma de prevenir a progressão da doença e minimizar os sintomas, permitindo que o paciente mantenha uma vida ativa”, afirma.
“Diagnóstico precoce e tratamento adequado e contínuo são condições fundamentais para minimizar os impactos à qualidade de vida do paciente”, completa Bressan.
Porém, dez anos após o início do tratamento, cansado de tomar os medicamentos, V decidiu que estava bem e que poderia interromper o tratamento. Foi quando os sintomas voltaram. “Eu achava que tinha alguém me perseguindo, que alguém queria me matar e fui me esconder”, relatou. V passou a noite inteira escondido dentro de um buraco até ser achado e retomar o tratamento. Dias depois, tudo voltava ao normal.
Hoje, vinte anos depois do primeiro surto, V leva uma vida normal. Trabalha, sustenta a casa, tem um casamento saudável, quatro filhos e uma neta. “Ele é a pessoa mais tranquila que eu já conheci. Pra falar a verdade, eu nem lembro que passamos por tudo aqui”, completou a esposa.
Para V, o apoio da família e a forma de vencer o preconceito imposto pela sociedade foram fundamentais para sua completa estabilização. “Sei que se eu interromper o medicamento posso voltar a ter o surto, mas tenho consciência de que não posso parar e ponto final”, comentou V. Segundo os familiares, V é uma “pessoa sensata, calma e amorosa”.
Para ele, não há dificuldade no diagnóstico da doença. “O desafio está na demora para buscar ajuda médica e no tratamento. O paciente e os familiares têm preconceito e demoram para buscar ajuda psiquiátrica. Eles têm dificuldade de entender que o transtorno é totalmente controlável”, concluiu.
Fonte: UOL

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Cara a cara com a esquizofrenia (perguntas e respostas)



Conteúdo especial dos Dossiês de Esquizofrenia, edição 41 e 42 da revista Psiquê. Destinado ao público em geral, o questionário esclarece diversas dúvidas a respeito da doença e como ela deve ser enfrentada tanto pelos pacientes como pelos familiares.

A esquizofrenia pode ser conseqüência do modo como os pais educam seus filhos? A esquizofrenia pode começar a se manifestar na infância?
Embora seja raro, quadros esquizofrênicos podem ocorrer durante a infância. Além do comportamento bizarro, podem ser identificados outros sintomas, como a alteração da motricidade e da linguagem. Ao contrário dos adultos, é raro ocorrer delírios e alucinações. A esquizofrenia na infância costuma ser grave, com evolução para formas crônicas da doença.
Não. Houve um tempo em que se acreditou que a esquizofrenia poderia ser causada dessa forma, principalmente pela maneira como a mãe se relacionava com seu filho. Criou-se até um termo para definir essa situação: "mães esquizofregogênicas". Atualmente, sabe-se que os pais não têm poder de causar essa doença em seus filhos, embora se reconheça que a esquizofrenia possa ser agravada pela atitude dos pais em pressionar e aumentar as situações de estresse para o paciente.

Rejeição emocional na gravidez ou na infância causa esquizofrenia? Não há evidências, embora alguns autores levantem a hipótese de que a criança com histórico de abuso sexual e negligência grave tenha risco maior de desenvolver psicoses.

Ter crises sucessivas significa que o quadro está mais grave?
Em muitos casos, sim. É possível que após cada surto o paciente não consiga voltar ao estágio em que estava antes. Nesse caso, os sintomas residuais aumentam. Por isso, é importante evitar que ele tenha novas crises. A recomendação é o uso de medicamentos, além da intervenção com outras abordagens, não só na fase aguda, mas durante todo o tratamento. Geralmente, após os 50 anos, a doença tende a se estabilizar, inclusive com alguma melhora espontânea.

O esquizofrênico pode tomar bebidas alcoólicas?
Não. As bebidas alcoólicas interagem com os medicamentos utilizados por esses pacientes e podem aumentar alguns efeitos colaterais, como sonolência e sedação. Além disso, elas podem desencadear novos surtos esquizofrênicos.

O esquizofrênico pode dirigir carro?
Não há regra geral. Isso depende da gravidade do caso e também do tipo de medicamento que o paciente está usando. Um dos efeitos colaterais provocados por alguns antipsicóticos é a diminuição de reflexos e o aumento da sonolência, o que prejudica não só a capacidade de dirigir como de operar máquinas que representem riscos de acidente. Por isso, cada situação deve ser avaliada individualmente pelo médico responsável pelo tratamento.

O portador de esquizofrenia pode namorar e ter relações sexuais normalmente?
Sim. Em princípio esse paciente pode namorar e se relacionar como qualquer outra pessoa, desde que esteja precavido e bem orientado quanto ao risco de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez.
Devido ao uso de medicamentos antipsicóticos, pode ocorrer discreta diminuição do desejo sexual, podendo haver também prejuízo no desempenho sexual. Se o problema estiver relacionado ao medicamento, deve-se conversar com o médico, que poderá reduzir a dosagem ou substituir o medicamento por outro.

Uma paciente com esquizofrenia pode engravidar?
Sim. Há pesquisas que apresentam melhora dos sintomas esquizofrênicos durante a gravidez, embora possam voltar a piorar depois do parto, devido às alterações hormonais que ocorrem nesses períodos. Ainda não há relatos de anomalias congênitas na criança devido ao uso dos antipsicóticos. Porém, cabe ao psiquiatra recomendar a possibilidade de diminuição ou suspensão da medicação durante a gravidez. Deve-se levar em conta que criar um filho exige da mãe um esforço grande, e acarreta uma importante carga de estresse, que pode agravar o quadro da esquizofrenia.
Em virtude da gravidade dos sintomas, algumas pacientes poderão ter dificuldade para cuidar da criança. O uso dos antipsicóticos também pode causar a diminuição da menstruação, mas, mesmo nesses casos, há possibilidade de gravidez, sendo necessário, também, o uso de métodos contraceptivos.

Uma pessoa esquizofrênica pode ser contrariada?
Muitos temem dizer "não" ao paciente, com receio de que ele piore ou se torne agressivo. O diálogo com o paciente esquizofrênico deve ser igual à conversa com qualquer pessoa. Muitas vezes será necessário estabelecer limites, pois não é possível atender a todos os seus desejos. Embora possa parecer difícil, ele precisa aprender a tolerar frustrações, como todo mundo.

Se o paciente se recusa a tomar o remédio, o mesmo pode ser diluído em algum alimento ou bebida? É bastante comum o paciente recusar a medicação. Dar o remédio escondido misturado à comida ou bebida não resolve o problema. O diálogo pode ser cansativo, mas continua sendo defendido como a maneira mais eficiente de fazer o paciente entender as implicações da doença e a necessidade do tratamento. É importante mostrar a relação entre o uso de medicamentos e a melhora dos sintomas.

Os medicamentos usados na esquizofrenia podem viciar?
Antipsicóticos não causam dependência, ou seja, não viciam. Antidepressivos também não causam dependência. Já outros tipos de medicamentos como os ansiolíticos e indutores do sono do grupo dos benzodiazepínicos (como diazepan, lorazepam, bromazepan, entre outros) podem causar dependência, se utilizados de modo incorreto. Outros medicamentos anticolinérgicos usados para tratar os efeitos colaterais extrapiramidais também podem causar vício.

Sendo a esquizofrenia hereditária, os parentes de um esquizofrênico devem evitar filhos?
A maioria dos indivíduos que possuem parentes com esquizofrenia não desenvolve a doença. Ela ocorre com freqüência em pessoas cuja família não apresenta nenhum caso da doença. A maneira como a transmissão genética se dá ainda é pouco conhecida. Evidentemente, para um casal que pretende ter filhos e que tem algum parente portador da doença, é importante saber quais os riscos de os futuros filhos desenvolverem a esquizofrenia. Um especialista, ao consultar a árvore genealógica do casal, poderá fornecer informações técnicas sobre o caso. De qualquer forma, o risco, em geral, é baixo, mas cabe ao casal fazer a escolha.

Os sintomas da esquizofrenia manifestam-se da mesma forma em todos os pacientes?
Não. As manifestações sintomáticas podem ser completamente diferentes de um paciente para outro. Apenas a presença de um ou outro sintoma não é suficiente para caracterizar a doença. Alguns pacientes apresentam delírios, alucinações, alterações na organização do pensamento e agitação. Outros se isolam e apresentam pobreza de discurso, retraimento social e embotamento afetivo. Os sintomas podem variar num mesmo paciente ao longo do tempo, de acordo com a evolução da doença ou conforme o tratamento adotado.

A agressividade é uma característica da esquizofrenia?Geralmente não. Pode ocorrer em alguns casos que, em função de idéias de perseguição ou de alucinações intensas, o paciente se sinta acuado ou ameaçado e possa reagir de modo agressivo. As modificações na personalidade geradas pela doença também podem gerar um comportamento violento. Os riscos de agressividade aumentam quando o paciente não aceita ser medicado ou não utiliza a medicação corretamente ou ainda quando usa drogas. Seguir o tratamento adequadamente minimiza os riscos de agressividade.

O esquizofrênico pode ser um assassino em potencial?Pesquisas mostram que apenas uma minoria de crimes foi cometida por portadores de esquizofrenia. O comportamento homicida é raro em pessoas portadoras da doença, embora possa ocorrer em circunstâncias em que um paciente tenha um comportamento impulsivo ou violento. O uso de drogas ilícitas aumenta o risco de violência, seja na esquizofrenia, seja em pessoas sadias.

O eletrochoque ainda é um meio utilizado para o tratamento desses pacientes?
A eletroconvulsoterapia (ECT), nome técnico do eletrochoque, ainda é indicada para alguns casos específicos de esquizofrenia. Pacientes com sintomas psicomotores importantes (catatônicos) apresentam rápida e significativa melhora com esse tratamento. A ECT realizada sob anestesia geral e em condições hospitalares adequadas não acarreta nenhum prejuízo ou sofrimento ao paciente. Outros tratamentos, como a insulinoterapia, grandes doses de vitamina, psicocirurgia e hemodiálise não são mais utilizados para tratamento da esquizofrenia desde que o uso de medicamentos antipsicótios se mostrou eficaz.

Quais são os fatores de estresse que podem acarretar um novo surto?Os portadores de esquizofrenia têm dificuldade para tolerar situações de muito estresse. Além dos fatores relacionados à família, como críticas excessivas e super proteção, eventos da vida com forte carga emocional, tais como a morte de alguém da família ou próximo, e situações de exigência excessiva, como pressão no trabalho -, podem provocar a piora dos sintomas. Cada paciente tem um grau de sensibilidade ao estresse, de modo que é preciso avaliar individualmente a tolerância aos fatores estressantes.

Uma pessoa com idéias esquisitas pode ser considerada esquizofrênica?
Não. O diagnóstico de esquizofrenia pressupõe a existência de uma série de sintomas característicos. É comum muitos jovens adotarem posturas diferentes daquelas habituais da sociedade para se sentirem integrados ao grupo. Trata-se de uma atitude passageira, decorrente das características desse período de vida, quando o jovem precisa reafirmar sua personalidade. Se as idéias bizarras persistirem e levarem a condutas excêntricas e estranhas, cogita-se o caso de um transtorno relacionado a esquizofrenia. Na dúvida, busque uma avaliação psiquiátrica.

É recomendável falar ao paciente que ele sofre de esquizofrenia?
Infelizmente, a palavra esquizofrenia carrega um grande estigma e é usada como sinônimo de loucura. Esse preconceito dificulta muito o trabalho com o paciente e seus familiares. Além disso, persiste o mito de que o inevitável fim de todo paciente com esquizofrenia é a internação num manicômio. Porém, o grande desafio está em integrar esse paciente à sociedade. Nesse sentido, há vários tipos de tratamentos que facilitam essa integração. Em casos mais complexos, de difícil diagnóstico, costuma-se adotar a cautela e aguardar a evolução dos sintomas antes de confirmar a existência da doença. A partir do diagnóstico, é aconselhável passar informações corretas sobre a doença. Deve-se revelar o nome da doença e oferecer ao paciente e à família os dados necessários para uma visão clara e honesta da situação, para que sejam parceiros no tratamento, no convívio e na recuperação do portador.

Posso dar "mesada" ao portador de esquizofrenia?
Assim como qualquer outra pessoa, os portadores de esquizofrenia precisam aprender a lidar com seu dinheiro, sabendo administrá-lo corretamente. Se o paciente trabalha e recebe um salário, precisa aprender a economizar parte dele. Se ele não trabalha, é importante estabelecer um valor para a mesada e deixar claro que aquela quantia deve durar certo tempo, até o recebimento da próxima, e que não será fornecido mais dinheiro se este for gasto antes do prazo.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Um conto de doença mental - a partir do interior (palestra)



"Está tudo bem se eu estragar totalmente seu escritório?" É uma questão que Elyn Saks uma vez perguntou ao médico, e não era uma piada. Em 2007, a jurista Saks  avançou com a sua própria história de esquizofrenia, controlada por medicamentos e terapia, mas sempre presente. Nesta poderosa conversa, ela nos pede para ver as pessoas com doença mental de forma clara, honesta e compassiva.

Assista à palestra no seguinte link (aperte em "28 idiomas de legenda" e selecione "Português brasileiro" para assistir com legendas):

http://www.ted.com/talks/elyn_saks_seeing_mental_illness#t-6146

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Maiores análises genéticas de sempre da esquizofrenia confirmam extrema complexidade da doença

É pouco provável que dois doentes escolhidos ao acaso apresentem o mesmo perfil de risco genético, afirmam cientistas.
No filme Uma Mente Brilhante, Russel Crowe encarna o genial matemático John Nash, que sofreu de esquizofrenia durante décadas. UNIVERSAL PICTURES
                     Dois estudos publicados na revista Nature com data desta quinta-feira revelam novos dados acerca da complexidade genética subjacente da esquizofrenia. Não só permitem concluir que esta doença psiquiátrica pode ser causada por múltiplas mutações genéticas muito mais raras do que se pensava, como dão pistas sobre as funções dos genes alterados.
                     A esquizofrenia afeta 1% da população mundial e é caracterizada por alucinações visuais e auditivas, delírios e paranoia, entre outros. Os doentes costumam ser tratados com medicamentos antipsicóticos cuja eficácia pouco tem evoluído nos últimos 20 anos.
                     Com base em estudos de famílias com uma história da doença, sabe-se há bastante tempo que ela tem uma forte componente hereditária. Porém, até aqui, as tentativas de identificar genes específicos causadores da doença comuns a todos os doentes não têm tido sucesso. Os dois novos trabalhos fornecem uma explicação para este aparente paradoxo.
                     Num dos estudos, Shaun Purcell, do Instituto Broad (do MIT e de Harvard, nos EUA), e colegas de várias instituições norte-americanas e europeias, compararam as sequências genéticas, colhidas pelo Instituto Karolinska na Suécia, de 2536 pessoas com esquizofrenia e de 2543 pessoas que não tinham a doença. Os autores descobriram então “mutações ultra-raras em dezenas de genes”, explica um comunicado do Hospital Mount Sinai, de Nova Iorque, que participou no estudo.
                     No outro estudo (do qual Purcell é igualmente co-autor), Menachem Fromer, do Mount Sinai e do Instituto Broad, e outra equipa internacional procuraram mutações, desta vez não hereditárias mas espontâneas, em amostras de ADN colhidas junto de 623 doentes esquizofrênicos búlgaros e dos seus respectivos progenitores. E concluem que estas mutações novas (que são contudo menos numerosas do que as hereditárias), para além de ter um papel no desenvolvimento da doença, perturbam principalmente certos circuitos cerebrais implicados na regulação da força das ligações entre neurônios –  desempenhando portanto um papel importante no desenvolvimento cerebral, na aprendizagem, na memória e nas capacidades cognitivas.
                      De fato, a “tremenda complexidade genética” (nas palavras de outro co-autor) agora revelada por estes estudos fez com que nenhum dos genes identificados pudesse ser implicado sem ambiguidade na doença, escrevem na Nature os autores do estudo na Suécia. “Isso sugere que há muitos genes de risco para a esquizofrenia e que é pouco provável que dois doentes escolhidos ao acaso partilhem o mesmo perfil de risco genético”, frisa Purcell num comunicado do Instituto Broad.
                       Todavia, o conjunto dos resultados sugere – e isso constitui um substancial avanço, segundo os autores – que as mutações agora identificadas afetam um tipo específico de redes de genes, com funções ao nível da comunicação neuronal. “Este nível de convergência entre vários estudos é inédito na genética da esquizofrenia e indica-nos, pela primeira vez, que estamos perante um dos processos cerebrais de base que são perturbados por esta doença”, diz Mike Owen, da Universidade de Cardiff (Reino Unido) e co-autor do estudo junto da população búlgara, num comunicado da sua universidade.
                        Esse estudo também detectou que parte dos genes agora implicados na esquizofrenia já foi também associada a outras doenças mentais tais como o autismo e a síndrome do X frágil, que provoca atraso mental. “O facto de termos conseguido identificar um certo nível de sobreposição entre as causas subjacentes à esquizofrenia e as do autismo e da deficiência intelectual indica que estas doenças poderão ter alguns mecanismos em comum e reforça a ideia de que é preciso integrar as pesquisas de múltiplas doenças”, salienta Mick O’Donovan, outro co-autor da mesma universidade britânica.
                        Os cientistas acreditam que a genética irá contribuir para o desenvolvimento de tratamentos mais seguros e eficazes da esquizofrenia. "O derradeiro objectivo deste tipo de estudos é oferecer aos doentes tratamentos mais personalizados do que os actuais”, diz Purcell.

Notícia do site http://www.publico.pt/

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Inclusão ocupacional: perspectiva de pessoas com esquizofrenia (artigo científico de estudantes do IPA)

Luciane Carniel Wagner
Elton Corrêa Borba 
Marilene Santos Silva 
Centro Universitário Metodista IPA, Porto Alegre-RS, Brasil

RESUMO. O estudo investigou sujeitos com esquizofrenia, familiares e colegas de atividade/trabalho na busca do entendimento dos fatores que dificultam ou contribuem para a inclusão ocupacional de pessoas com este transtorno mental. Utilizou-se a metodologia qualitativa, por meio de entrevistas narrativas, na busca de conhecer a percepção destes sujeitos sobre a temática de interesse. Foram feitas entrevistas individuais com 20 sujeitos. Estas foram gravadas e, posteriormente, transcritas para análise de conteúdo. Três temáticas emergiram dos discursos. Na categoria aderência ao tratamento, os participantes falam da importância do diagnóstico e do tratamento clínico/medicamentoso para a manutenção de um funcionamento saudável. Na categoria estigma e exclusão, os sujeitos apontam para as dificuldades de participar da vida social após o diagnóstico; o preconceito e as dificuldades funcionais são relacionados a este achado; assim como sentimentos de inutilidade e baixa autoestima. Na categoria ocupação e sentido da vida, os participantes apontam para o resgate do desejo de desfrutar a vida e se realizar como pessoa a partir da possibilidade de exercer atividades significativas; os sujeitos refletem sobre o impacto da atividade ocupacional nos relacionamentos familiares e comunitários, além de enfatizarem a melhora no padrão de funcionamento e desempenho após a experiência de inclusão. Conclui-se que devem ser feitos esforços no sentido de ampliar as oportunidades de inclusão ocupacional para pessoas com esquizofrenia e outros transtornos mentais graves e de longa evolução. Palavras-chave: inclusão ocupacional; esquizofrenia; estigma.

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Sobre meu pai (relato do filho de um esquizofrênico)

(Texto escrito por Saulo Szinkaruk Barbosa, publicado na edição 90 da Revista Piauí, de março de 2014)
Era um ritual que Roberto repetia com frequência. Vestia meias grossas, calças de lã, camiseta, camisa, pulôver de gola em V e sobretudo. Deitava-se sobre a colcha de chenile que cobria a cama feita. Cruzava as mãos sobre o peito e assim permanecia. Totalmente imóvel, não fossem os olhos a perscrutar ansiosos o teto do quarto, como quem tenta identificar com a visão o barulho que os ouvidos estão esperando. Quando sua mulher perguntava o que estava fazendo, a resposta vinha firme, com convicção: “Estou pronto para a guerra.”
E não adiantava ela lhe dizer que não havia guerra nenhuma, ou que era verão e tanta roupa só podia fazer mal. Porque Roberto Oliveira Barbosa, meu pai, era esquizofrênico.
Hoje, dizer isso assim, com todas as letras, é até fácil. Mas durante os primeiros vinte anos da minha vida foi impossível. Em parte porque, embora desde cedo tivessem me dito que meu pai era doente e que eu precisava entender, ninguém nunca me contou o que ele tinha, nem se algum dia se curaria. Não que minha família fosse relapsa comigo ou com meu irmão mais novo, ignorando as consequências que a esquizofrenia do nosso pai poderia nos causar. Apenas foi o jeito que minha mãe e meus avós paternos encontraram para lidar com a situação. Um padrão de comportamento que desde cedo aprendi a replicar, e que de certo modo explica por que demorei tanto para encarar os fatos: a gente ia levando, tentando deixar tudo o mais normal possível, contornando as crises da doença com paciência, silenciando e baixando os olhos quando os delírios incluíam acusações descabidas ou frases que doíam, e nunca, nunca discutíamos o problema depois que o pior passava. Era no silêncio cúmplice e na rotina que se restabelecia – um almoço sem incidentes, uma tarde de chimarrão e conversa fiada – que encontrávamos o equilíbrio para aguentar firme e seguir adiante.
É verdade que as crises mais intensas, ao que me lembre, eram esparsas. A medicação mantinha meu pai consideravelmente lúcido e coerente boa parte do tempo, ainda que ele não fosse capaz de trabalhar ou se envolver em alguma tarefa que exigisse comprometimento. Quem não soubesse da esquizofrenia podia facilmente pensar que se tratava de um sujeito na plenitude das suas faculdades mentais. Um pouco calado, talvez, mas nada além disso. Era preciso um contato mais demorado para perceber as distorções do cérebro doente, que em geral surgiam em raciocínios e conclusões estabelecidas a partir de lógicas muito particulares.
Lembro uma ocasião em que estávamos almoçando na casa dos meus avós e meu pai, do nada, sugeriu seriamente que todos rompêssemos com um parente distante. Não fizemos nenhuma pergunta – conhecíamos exatamente aquele tipo de situação. Ele explicou mesmo assim. Disse que certa vez estava andando na rua com algumas pessoas e que, quando uma delas mencionou o tal parente, ele tropeçou. Era evidente, portanto, que o sujeito não era boa pessoa e que devíamos evitá-lo. Situações assim eram bastante frequentes, tanto que todos sabíamos que o melhor era ignorar, logo ele esqueceria e tudo seguiria seu curso.
Sem a medicação, porém, ou quando por algum motivo ela era trocada ou tinha a dosagem ajustada, a coisa mudava de figura. Aí, sim, precisávamos tratar com uma pessoa sem nenhuma capacidade de discernimento. Felizmente meu pai não era violento ou autodestrutivo. Suas atitudes nas crises mais fortes eram apenas excêntricas e embaraçosas: cobria os móveis da casa com lençóis porque achava que eles estavam com frio; andava pelas ruas a pé como se estivesse de carro, respeitando as mãos do trânsito; conversava efusivamente sozinho, com o cenho franzido e as mãos agitadas; elucubrava projetos sem sentido. Certa feita cismou que deveria trocar seu nome para Vitoffbar, sigla que criou juntando as primeiras letras de todos os sobrenomes da árvore genealógica da família.
Mesmo assim, e por mais que as crises me envergonhassem, nunca procurei esconder meu pai. Meus amigos da rua e colegas de colégio frequentavam minha casa. Quando éramos mais novos, eles faziam perguntas: “O que teu pai faz?”, “Ele está de férias?”, “Por que teu pai está em casa a essa hora?” Eu respondia que ele cuidava dos negócios da família; meu irmão preferia dizer que ele era advogado. Depois que entramos na adolescência, as perguntas cessaram. Aos poucos meus amigos compreenderam a situação, ou foram alertados por seus pais. De mim, nunca nenhum deles ouviu nada. Eu ainda levaria muitos anos para ser capaz de falar sobre o assunto com alguém.
A esquizofrenia é uma doença que a medicina tenta entender. Atualmente, acredita-se que sua causa esteja numa combinação de fatores genéticos e comportamentais, como o ambiente familiar e experiências traumáticas. Na minha família paterna, o histórico de transtornos mentais é considerável, se bem que mal documentado e raramente diagnosticado. Já ouvi histórias sobre meu bisavô, avô do meu pai, ser “meio esquisito”, mas daí a saber do que exatamente ele sofria vai uma longa distância. São lembranças puídas pelo tempo, de uma época em que o máximo de precisão a que o médico chegava era afirmar que o paciente “sofria dos nervos”. Ouvi também relatos de primos cujas vidas foram de alguma forma desviadas do curso normal por algum tipo de impedimento mental.
A história do meu pai segue o que a literatura médica define como padrão da esquizofrenia. A vida corre sem incidentes até o início da fase adulta, quando se iniciam as crises. Após uma infância e adolescência normais, meu pai saiu de Santo Ângelo, município com pouco mais de 70 mil habitantes onde havia crescido, para fazer faculdade em Santa Maria, uma cidade universitária agitada, quase quatro vezes maior que sua terra natal. Era começo dos anos 70 e ele tinha 18 anos. Foi quando ocorreram as primeiras manifestações.
Há quem credite a explosão do gene adormecido ao rompimento com um ambiente familiar superprotetor. Outros atribuem ao abuso de drogas – comportamento que a medicina considera um gatilho possível – dos primeiros semestres na universidade. Minha avó, que até hoje rejeita o diagnóstico oficial, especula que tudo começou quando ele bateu a cabeça durante uma viagem de ônibus, num solavanco mais vigoroso do veículo. O que se sabe ao certo é o que aconteceu a partir daí: vieram crises e mais crises. Meu pai faltava a boa parte das aulas. Sumia por dias a fio sem dar notícias, e quando voltava aparecia com os olhos esbugalhados, tremendo e dizendo coisas sem sentido. Era uma visão assustadora para minha família. Um terror amplificado pela ignorância de não fazer ideia do que estava acontecendo com ele, tão normal e estudioso até pouco tempo. Às crises se intercalavam tentativas de retomada da vida. Foram três faculdades iniciadas na Universidade Federal de Santa Maria, nenhuma jamais concluída; um período no curso de formação de tenentes do Exército; um punhado de empregos com amigos da família. Alguns anos mais tarde, de volta a Santo Ângelo, ele ainda tentou estudar direito, mas não concluiu o curso. Foi seu derradeiro esforço. Pelos anos seguintes, meus pais, meu irmão e eu vivemos da renda de imóveis da família, administrados com surpreendente tino por meu pai.
Ele só não desistiu da música. Tocava violão. Cresci ouvindo-o dedilhar Beatles, Roberto Carlos e Renato e Seus Blue Caps. Cantava muito bem e sabia ser o centro das atenções. As festas de família em que empunhava o instrumento e soltava a voz sempre me pareceram ser seus momentos mais felizes, quando de alguma forma ele conseguia fazer com que as coisas dessem certo.
Ainda assim, está ligada à música uma das lembranças mais vívidas que tenho da sua esquizofrenia. Eu era adolescente e estava aprendendo a tocar violão. Já conseguia executar algumas canções, porém era incapaz de afinar o instrumento. Pedi a meu pai que o fizesse. Ele sentou ao meu lado, na cama, e começou a arpejar as cordas com o polegar direito, enquanto girava as tarraxas com a outra mão. Estranhei os gestos dele, tocando todas as cordas abertas, isto é, sem usar a mão esquerda. Em geral, tocam-se as cordas aos pares na quinta casa do braço, descendo do bordão até a prima, e afinando uma pela outra (quinta pela sexta, quarta pela quinta etc.). Mas aquele era um momento tão raro – nós dois compartilhando alguma coisa – que não prestei muita atenção ao método. Fiquei apenas ouvindo o que meu pai me dizia enquanto ajustava o instrumento.
Ele tinha acabado de tomar banho e cheirava a sabonete, um odor ácido e frutado. Falava de teoria e técnica musical. A formação dos acordes, o arpejo, o dedilhado. Um pai ensinando algo ao filho, um momento tão banal, tão comum, e justamente por isso tão especial para mim. Quando ele me entregou o instrumento, armei um dó maior com a mão esquerda e toquei confiante. O violão ecoou um som tão caótico que até meu ouvido inexperiente percebeu que havia algo muito errado. Testei um lá maior. De novo, dissonância. Fiquei atordoado. Eu já tinha visto meu pai afinar um violão dúzias de vezes. E no entanto ele havia passado dez minutos regulando aquelas cordas que agora pareciam refletir a mente dele: um todo desajustado de onde é impossível extrair alguma coerência. Nem mesmo quando toquei os acordes e produzi sons indecifráveis ele percebeu o que estava acontecendo.
Em segundos, vi perplexo ruir nosso momento pai e filho. Eu sabia que não ia conseguir falar nada para ele. Temia o terreno em que pisaríamos se eu dissesse o óbvio: “Pai, não tá afinado.” Eu não seria capaz de esfacelar a normalidade daquele momento, ainda que ela fosse só aparente e, afinal, ilusória. Meu pai se levantou e saiu. Fiquei sozinho na cama, com um violão desafinado e um cheiro de sabonete que nunca mais esqueci.
Meu irmão e eu gostávamos de ir aos jogos do Passo Fundo, time de futebol da cidade onde nossa família, incluindo meus avós paternos, foi morar no começo dos anos 90. Um dia, para nossa grande surpresa, o pai quis ir junto. Lembro como meu irmão, que na época devia ter uns 9, 10 anos, ficou empolgado. Em geral quem nos acompanhava em qualquer atividade, dos deveres da escola até comprar doces na esquina, era nossa mãe ou avô, que sempre foi muito próximo e fez o possível para suprir o papel da figura masculina na nossa criação. Aos jogos, íamos somente meu irmão e eu. Mas naquele dia ele foi com a gente. Chegamos ao estádio e nos sentamos no concreto morno da arquibancada, alinhados com o meio de campo. O dia estava quente e não nos importamos com o sol que nos fazia apertar as pálpebras. Era um momento estranho. Feliz mas estranho, pois não tínhamos muita intimidade com nosso pai. Como ele varava as madrugadas e dormia boa parte do dia, nossas rotinas quase não se encontravam.
Acho que mal haviam se passado quinze minutos de jogo quando ele disse que queria ir embora. Ficamos sem reação. Ele tentava se desculpar, dizendo que infelizmente não tinha como seguir ali com a gente. Começou a descer a arquibancada, sem olhar para trás, a cada passo ficando menor aos nossos olhos. Ele já ia longe quando meu irmão conseguiu expressar a raiva que estava sentindo. Xingava e amaldiçoava com a voz embargada, segurando as lágrimas como quem sabe que negar o choro a alguém às vezes é a única vingança possível. Não senti nada. Talvez por estar acostumado a jamais criar expectativas positivas referentes a algo que envolvesse meu pai, como uma criança que sabe que seu balão sempre vai estourar antes de encher. Ou, por ser três anos mais velho, eu tivesse maturidade suficiente para entender que havia uma doença maldita dentro da cabeça dele, um parasita voraz que envenenava e consumia seu cérebro, impedindo que ele fizesse o que mais queria: ser um pai de verdade.
É exatamente aí que está o sofrimento mais devastador dessa doença: não existe nenhum parasita. Nunca houve uma separação entre o cérebro sadio e o bicho que o contaminava. A esquizofrenia e a mente do meu pai eram uma coisa só, indissociáveis. E por isso eu nunca soube, nem nunca vou saber – de tudo que ele me disse e fez, de tudo que deixou de me dizer e fazer –, quando ele era ele mesmo e quando estava sob influência da doença. No dia em que disse que sentia muito orgulho de mim, sentia mesmo isso ou estava apenas tendo um delírio, imaginando um filho que não era o dele? Como posso considerar verdadeira e sincera uma lembrança se desde pequeno fui ensinado a julgar seus atos como frutos de uma mente doente?
No outono de 2003, minha mãe saiu de casa. Eu soube por telefone – àquela altura, já estava na faculdade em Porto Alegre havia quase dois anos. Nessa mesma ligação, pela primeira vez alguém me disse alguma coisa concreta sobre a doença. “Teu pai tem esquizofrenia. Me sinto muito infeliz e sozinha”, ela falou. A sinceridade brutal foi a forma que encontrou para tourear o medo de que meu irmão e eu ficássemos contra ela. Isso não aconteceu. Meu pai não era culpado da doença, tampouco minha mãe. Na verdade, o que senti depois daquele telefonema foi uma enorme gratidão por ela ter suportado tanto tempo. Por ter esperado até que ficássemos adultos para ir atrás da sua felicidade. Minha mãe casou aos 19 anos, grávida de mim. Jovem e ingênua, achava que o comportamento excêntrico do meu pai era resultado das muitas horas de estudo. Nunca lhe passou pela cabeça perguntar por que aquele homem dez anos mais velho não conseguia concluir nenhuma faculdade. Como meus avós jamais se imiscuíram na vida sentimental do filho, minha mãe casou sem saber que meu pai era esquizofrênico.
Pouco mais de um mês depois da partida da minha mãe, meu pai teve um mal-estar estomacal violento. A suspeita primeiro recaiu sobre uma lata de pêssegos em calda aberta havia muitos dias. Medicado, ele melhorou, mas ao longo das semanas seguintes as indisposições foram ficando mais frequentes, até que o médico pediu exames mais detalhados. Só então o diagnóstico surgiu: um tumor no intestino, grande o suficiente para praticamente bloquear
o processo de digestão.
Meu pai foi operado para remover o tumor e passou por um período de quimioterapia. Mudou-se para a casa dos meus avós, emagreceu, parou de fumar. Não perdeu o cabelo, mas padeceu os enjoos do tratamento. Só fui visitá-lo depois de algumas semanas. De algum modo, eu tinha construído uma redoma em Porto Alegre, um espaço onde a fugacidade do convívio com meu pai me desobrigava de fingir que a doença não existia. Foi difícil destruir esse pequeno ecossistema de ilusão e encarar que agora eram dois os males a devastar a vida daquele homem.
Daquela época data um texto em que ele relata uma série de revezes na família. Com sua caligrafia impecável, ele narra a partida da minha mãe, a descoberta e o tratamento do câncer, entre incidentes menores como uma batida de carro em que minha avó quebrou o braço, uma mordida que meu avô levou da cachorrinha da família etc. No fim, conclui: “Não sei por que tanta perseguição.”
Guardo esse texto comigo. Sempre que o leio, me lembro de uma cena de Os Leões de Okavango, documentário do canal National Geographic sobre uma família de leões que perde o patriarca em uma disputa territorial com um grupo da mesma espécie e é forçada a procurar outro lugar para viver. Sem parceiro e com três filhotes pequenos, a leoa Ma di Tau foge sem rumo. Poucas horas depois, já viu um dos rebentos ser devorado por um crocodilo, está exausta, sem abrigo nem comida para dar aos dois sobreviventes, e ainda precisa permanecer vigilante o tempo todo. Nesse momento, ouvimos a voz grave do ator Jeremy Irons, narrador do filme, anunciar mais ou menos o seguinte: “E mais um dia amanhece no delta do rio Okavango, totalmente alheio ao sofrimento de Ma di Tau.” Não importa se é Ma di Tau, meu pai, eu. A natureza não dá mole: não tem piedade ou comiseração, não avalia quanto sofrimento cada um pode suportar. Depois de um dia que se foi chega outro, e depois mais outro e ainda outro, independentemente da nossa vontade de que o tempo retorne, ou congele, ou deixe de acontecer.
Em algum momento no começo dos anos 90, meu pai decidiu suspender a medicação. Minha mãe, ciente de que a vida normal seria inviável, passou a moer o comprimido de Haldol e misturar no suco que servia a ele no almoço. Nós, crianças ainda, não percebíamos como era curioso ele ter um copo separado, em que ninguém podia tocar. Minha mãe conta que quando meu irmão ou eu reclamávamos que o suco estava muito azedo, ou aguado, meu pai gentilmente oferecia o dele. Eram pequenos momentos de desespero para ela. Para acabar com situações assim, um dia ela nos contou o que vinha acontecendo nos últimos meses. Enfatizou que sob hipótese alguma deveríamos beber um gole que fosse, mesmo que o pai insistisse. Mais alguns meses se passaram e ela nos chamou para dizer que revelaria a ele o truque do remédio no suco. Estava nervosa com a conversa, com a possível reação dele. Para alívio de todos, ele entendeu, agradeceu e voltou a se medicar normalmente.
Foi também nessa época que meu irmão e eu passamos por uma avaliação com uma psicóloga. Íamos ao consultório e fazíamos desenhos, jogávamos ou simplesmente conversávamos. Ela concluiu que estava tudo bem com a gente, não identificou nenhum traço ou propensão para a esquizofrenia.
Apesar de tudo, tive uma infância feliz. Meu irmão e eu crescemos muito próximos, com muitos amigos. Meus avós paternos foram presenças constantes – era para a casa deles que eu ia todos os finais de semana e durante as férias. Minha mãe sempre foi incrível. Até hoje adoro o Natal, certamente pelas boas lembranças. Não acho que a doença do meu pai tenha feito a minha vida difícil ou que o sofrimento tenha me trazido uma sabedoria especial.
Três anos depois da cirurgia para retirar o tumor, meu pai começou a reclamar de fortes dores nas pernas. Como as pontadas irradiavam da coluna em direção aos pés, o médico logo diagnosticou um problema no nervo ciático. Ao longo das semanas seguintes, ele passou a sentir dificuldade em se locomover e ficava boa parte do dia na cama. Fui visitá-lo nesse período. Estávamos no quarto que ele ocupava na casa dos meus avós; ele deitado, eu sentado em uma cadeira aos pés da cama. Era uma tarde de começo de inverno e o ar recendia a cobertores recém-retirados do armário. Estávamos praticamente em silêncio. Não tínhamos muito assunto, então eu apenas ficava ali, calado ou comentando trivialidades. Sabia que minha companhia bastava. De repente, ele começou a chorar. Um choro desgarrado, daqueles que o sujeito fica um tempo sem respirar e depois puxa o ar com força quase desesperada. Pensei que estivesse sentindo muita dor e ensaiei alguma pergunta. Foi quando ele falou: “Eu fracassei em tudo, meu filho. Em tudo. Sempre tinha alguém mais forte que eu.”
Difícil dizer se doeu mais perceber o quanto meu pai havia sofrido ao longo da vida ou entender que, mesmo com a doença, ele sempre soubera que sua história tinha sido uma sucessão de tentativas malogradas. Tentei consolá-lo. Disse que estava enganado, que ele tinha muitas conquistas de que se orgulhar, seus filhos eram os maiores exemplos disso – adultos independentes, íntegros como ele sempre fora. Ao ouvir isso, se acalmou. Acenou positivamente com a cabeça enquanto limpava as lágrimas nas costas das mãos. Então retomamos o silêncio.
Pouco depois dessa visita, os médicos descobriram que as dores provinham de uma metástase na região lombar da coluna, que esmagava a medula conforme ia crescendo. Os exames apontaram ainda outro tumor semelhante, perto da cervical. Meu pai chegou a se operar para retirar a metástase da lombar, uma cirurgia difícil, de recuperação dolorosa e pouco efeito prático, que apenas nos proporcionou a sensação de que havíamos tentado tudo.
A última vez que o vi vivo foi quando mostrei a ele as fotos da minha formatura. Precisei segurar cada uma das imagens sobre a cama, ele já não podia movimentar os braços. Meu pai, que havia chorado semanas antes ao ver o vídeo da cerimônia, da qual eu tinha sido o orador, dessa vez sorriu orgulhoso.
A morte do meu pai alterou a dinâmica com que eu havia encarado sua doença a vida toda. Não havia mais motivo para fingir normalidade em relação a nada. Meu pai agora estava morto, era uma lembrança, e lembranças podem até mexer em feridas antigas, mas não criam novas. Comecei a encaixar meu pai na minha história de vida, doente como ele de fato sempre havia sido e eu nunca tinha conseguido aceitar. Passei a falar da doença dele com os amigos, a namorada, minha mãe, meu irmão. Aos poucos substituí em meu passado o pai que ficava em casa cuidando dos negócios da família pelo pai medicado com Haldol.
Eu tinha quase 20 anos quando disse pela primeira vez a frase “Meu pai é esquizofrênico”. Até dois anos antes, ao ler a bula de um dos medicamentos dele, não tinha certeza se o diagnóstico era mesmo esse. Estava falando ao telefone com uma amiga, colega de faculdade, sobre o genérico tópico “problemas da vida”, e anunciei que tinha algo para contar. Um segredo que nunca havia revelado a ninguém. Na hora, minha voz travou. Antes de dizer, precisei me livrar dos vinte anos de bloqueio e vomitar tudo que engoli a vida inteira fingindo que a doença não existia. Quando as palavras finalmente saíram, fiquei esperando a reação dela. Espanto, horror ou, pior, pena? Mas ela reagiu com naturalidade. E eu entendi que meu maior drama era apenas um drama, o meu, e não o mais pavoroso de todos.